a autoimagem em tempos de isolamento
publicado em 27 de julho de 2020 no Medium

Ao pensarmos a moda como um dispositivo social, logo somos direcionados à sua função primordial de comunicação. Tal característica, responsável por dar à vestimenta significados além da função de agasalho, é capaz de expressar esteticamente a individualidade de cada ser, transmitindo uma ideia e criando uma relação entre indivíduos semelhantes. E como em qualquer meio de comunicação, a transmissão dessa mensagem só é possível com a existência de um receptor.
O conceito de moda surgiu, da forma como a conhecemos hoje, por volta do século XV, atingindo seu ápice durante a Revolução Industrial. Com o desenvolvimento acelerado das cidades, o volume de pessoas nos centros urbanos disparou. E sem nenhuma coincidência, o contato entre tantas pessoas diferentes trouxe a necessidade individual de criar uma imagem, comunicar de forma breve o seu status ou classe social. O espaço urbano se tornou o vetor da moda, como uma espécie de desfile a céu aberto, que proporcionou — e ainda proporciona — uma enorme troca de informações estéticas.
Nos encontramos então em 2020, em meio à pandemia que nos cerca há pouco mais de quatro meses, onde nos vemos enclausurados, contando com o pijama como look do dia e guardando sapatos que já não vêem a luz do sol há algum tempo. Sem uma previsão de quando retomaremos o ritmo de vida normal, há quem aproveite a ida ao mercado para usar sua melhor roupa e quem já elegeu o moletom seu melhor amigo para tudo. No entanto, ao pensar que o ato de se vestir já não cumprirá sua principal função por um longo período, é inevitável questionar: como fica a relação entre moda e autoimagem em meio a isso tudo?
Nas redes sociais já é possível perceber dois movimentos bem opostos. Ficar em casa simbolizou, para muitas mulheres, a libertação de diversas pressões estéticas: a ausência de sutiã ou maquiagem se tornaram uma constante, enquanto a possibilidade de vestir sua roupa mais confortável para o home office significou um sonho realizado. Incontáveis são os relatos de quem não sente falta de nenhum desses adereços e viu no isolamento uma chance de dar férias para seu corpo e imagem.
Em outra direção, temos quem faça questão de trocar de roupa para fazer as atividades diárias ou passar um batom no fim da semana para sentir que “finalmente, sextou!”. Como uma forma de diferenciar os dias no calendário e trazer um pouco de diversão para esse período, algumas pessoas fortaleceram ainda mais os laços com seus guarda-roupas.
Mas independente do lado em que você se encontra, ambos parecem caminhar para o mesmo objetivo. É curioso perceber como esse período de introspecção forçada trouxe à tona uma característica fundamental da moda que há algum tempo vinha sendo esquecida: sua capacidade de construção de uma identidade.
Longe de qualquer intenção emocional sobre a pandemia e a necessidade de isolamento, é fato que o distanciamento permitiu que olhássemos um pouco mais para quem somos sem qualquer interferência externa. E se, ao longo dos anos, o movimento da moda foi se moldando aos estímulos e trocas visuais, trocando essência por tendência, é em pleno século XXI que resgatamos o que nos faz gostar tanto dela: o contato com nós mesmos, o autocuidado e o reconhecimento da nossa individualidade.
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