a hora e a vez da Moda Digital
publicado em 11 de maio de 2021 no Instagram
Lembro da primeira vez que li sobre Lil Miquela. A influencer virtual estampava uma matéria da Elle UK de 2018 sobre as influenciadoras “quase humanas” que estava surgindo nas mídias sociais, apontando um futuro que parecia pouco distante, mas bastante improvável para o universo da Moda. Se este vinha ganhando novos ares graças à febre do street style, em nada parecia coerente transformá-lo em algo tão imaterial com avatares e modelagem 3D. Ainda assim, de lá para cá, muita coisa mudou: os filtros do Instagram se tornaram cada vez mais populares, revistas digitais se popularizaram, uma pandemia aconteceu e nos aproximou ainda mais do mundo virtual. E foi nessa revolução tecnológica que tem atingido um boom nos últimos anos, que a Moda mostrou que o tal futuro exposto pela Elle não era apenas provável, mas já vigente.
A associação entre tecnologia e o mercado da moda começou de uma maneira tímida, partindo de um crescente aumento de e-commerces, passando pelo surgimento das primeiras marcas nativas digitais e avatares influencers, até chegar à consolidação dos desfiles virtuais após os períodos de lockdown impostos pela Covid-19. Neste momento, as grandes marcas perceberam a possibilidade – e necessidade! – de ir além das criações usuais, com novas ferramentas em mãos para inovar na apresentação dos produtos e da própria marca – o GucciFest, festival de moda e cinema para divulgação da nova coleção da Gucci, e o desfile Afterworld, em formato de videogame, da Balenciaga são apenas alguns exemplos de tudo que algumas maisons foram capazes de explorar. A proposta lúdica do universo do videogame foi, inclusive, unanimidade entre as estratégias fashionistas: entre o final de 2019 e início de 2020, vimos parcerias entre Valentino e Animal Crossing, Gucci e The Sims, Louis Vuitton e League of Legends, todas unidas pelo objetivo de abrir novos canais de publicidade para seus produtos e se conectar com novos consumidores.
A gamificação da Moda, no entanto, não parou na ideia de um simples jogo de vestir de luxo. Ultrapassando barreiras do corpo físico, algumas marcas e empresas estão dando o que falar com a criação e venda de roupas que existem e podem ser “vestidas” apenas no meio digital. É o caso, por exemplo, da marca The Fabricant, uma casa de moda digital que cria roupas para serem usadas apenas no meio virtual. A empresa vem crescendo com parcerias de peso, como Puma e Tommy Hilfinger, e em 2019 vendeu sua primeira peça de “alta costura” em blockchain, por $9500. E se isso tudo ainda pode parecer muito pontual, a Gucci já fez questão de entrar na tendência ao lançar o primeiro tênis virtual de luxo por $17.99, podendo ser utilizado apenas em avatares ou universos de realidade aumentada.
Por maior que seja a estranheza em relação a todas essas novidades, nada está sendo feito sem uma justificativa. Segundo o relatório da startup Lyst, o grupo de novos consumidores, formado pelos jovens Millennials e Geração Z, cresceu na era digital, acostumado a mesclar com naturalidade realidade e fantasia, e por isso não precisa de apenas itens físicos para sua expressão pessoal. Além disso, segundo Michaela Larosse, head of content da The Fabricant, a criação de roupas virtuais pode ser considerada muito mais sustentável e permite que a moda retorne ao cerne do que ela sempre pretendeu ser: um modo divertido de explorar e expressar identidade e individualidade.
Se esse será um dos desdobramentos do futuro da Moda ou apenas uma tendência passageira, não sabemos. A questão fica por conta dos limites que essa difusão entre real e virtual pode atingir e o que ela vai significar para as nossas vidas como consumidores e seres reais, afinal, poucas são as diferenças entre possuir uma peça de luxo dentro de uma realidade virtual e um filtro que simula a famigerada harmonização facial. Dentro de uma linha cada vez mais tênue entre duas dimensões, a Moda de fato segue cumprindo seu papel como bússola rumo ao futuro e à inovação, porém apostando em um caminho arriscado – não fortalecendo identidades, mas sim criando versões 2.0 das mesmas.