psicodelismo, século XIX e uma pandemia
publicado em 26 de abril de 2021 no Instagram
Quando falamos sobre Moda, Sociologia ou outros temas que buscam entender o comportamento da sociedade de forma geral, é comum darmos alguns passos para trás, buscando na História padrões que expliquem certas ações, ideias ou tendências humanas. E, sem muita surpresa, é onde conseguimos encontrar a maioria das respostas.
Desde o início da pandemia muito se questionou sobre o rumo da sociedade, sobre como ela afetaria isso ou aquilo, ou como tudo iria se transformar. E dentro do universo da Moda, essa resposta foi quase imediata; uma onda de otimismo inundou casas e guarda-roupas com uma alta dose de cores, estampas florais e formas orgânicas.
A tendência sem um nome exato, mas mais conhecida pelo conceito “feel good”, se subdividiu em categorias que logo viraram febre aqui e na rede social ao lado: kidcore, cottagecore e craftcore são apenas alguns dos exemplos que se referem à ode às estéticas infantis, artesanais e carregadas de nostalgia. Psicologicamente, a popularização desses estilos é facilmente explicada: uma espécie de escapismo e resgate de períodos felizes foi a forma que parte dos seres humanos encontrou para lidar com um momento difícil como o que estamos vivendo, encontrando refúgio em tudo que possua uma aparência leve e divertida – seja isso um colar de miçangas ou uma vela em tons pastéis. Acontece que, se voltarmos um pouco mais na História, seremos capazes de perceber que esse escapismo vai um pouco além. E é justamente sobre isso que quero falar.
Passando pela Revolução Industrial, entre 1760 e 1840, o mundo se viu em uma grande transição em todos os seus âmbitos, fossem eles econômicos ou sociais. E como qualquer grande mudança, trouxe novos problemas e uma consequente reação a tudo que fosse novo ou moderno; assim surgiria o movimento Arts & Crafts, em 1880, valorizando a produção artesanal e, o mais importante, quem estava por trás da produção. Posteriormente relacionado ao Art Nouveau, o movimento ficou marcado pelo uso de motivos florais e orgânicos, além de um destaque à produção em cerâmica. Muito semelhante ao que tem acontecido nos últimos anos, com o incentivo à compra de produtos locais e artesanais, né?
Pulamos 100 anos e chegamos então à 1980. Definida por uma estética eletrizante, cheia de neons e extravagância, muito pouco se fala sobre como surgiram os códigos que marcaram a década de 80. Pois bem, a origem das formas abstratas e geométricas em cores fortes tem nome: Memphis Group. O grupo de design italiano foi precursor nessa estética ousada, onde o “mais” é sempre mais, se colocando como uma reação ao Modernismo e toda a rigidez que o estilo ditava. Tendo uma breve duração na História, em uma existência de apenas 6 anos, o Memphis Group reuniu diversas polêmicas em torno de sua produção, mas foi capaz de deixar um legado estético extremamente sólido, que influenciou diversos designers nos anos seguintes – até a Dior teve uma coleção inspirada no movimento em 2011. E ao olhar para certas tendências do último ano, como espelhos ondulados e acessórios em formatos orgânicos, como os famosos #chunkyrings, percebemos a relação direta entre esses dois momentos artísticos.
Apesar de duas estéticas bem diferentes entre si, o Arts & Crafts e o Memphis Group possuem em sua origem a mesma motivação: a necessidade de ir contra um sistema saturado e rígido. Suas características principais ressurgem, hoje, adaptadas à linguagem da nova década, mas carregadas da mesma ânsia pela retomada do que é afetivo e singular. Não, o design lúdico e a febre de formas orgânicas não é algo novo – aliás, é bem possível que em breve estejamos saturados de tantas margaridas, ondas e tons pastéis. Ainda assim, eles têm sua importância como espelho social das transmutações necessárias de tempos em tempos.
E se me permitem ir além em toda essa reflexão, questiono se, no fim das contas, a pandemia não funcionou apenas como catalisador para o fim inevitável da massificação purista para a qual a sociedade estava caminhando – vide a febre da decoração nórdica, uma moda cada vez mais neutra e eletrônicos em linhas minimalistas. Excessivamente filosófico? Talvez. Mas a Moda está aí para mostrar que seguimos repetindo padrões, em busca de uma felicidade que rompa com o que nós mesmos criamos.